Uma estória a contar

As vezes fico com vontade de escrever, mas dá uma preguiça….

Só porque tenho que me sentar adequadamente, porque as costas “gritam”.

Acho que não contei a minha estória da esclerose múltipla, peço licença aos leitores, porque entendo que está dentro do tema ; “somos múltiplos e diferentes cada um com sua estória.”

Comecei com sinais da doença quando fazia minha tese de doutorado, já que queria prosseguir como pesquisadora , numa carreira acadêmica. Não reflito muito sobre isso para não ficar com pena de mim mesma. Tinha tudo para dar certo, era jovem, tinha bagagem cientifica, tinha projeto de vida ,  apoio familiar; gostaria de lecionar em uma universidade, que proporcionaria o tripé educação – pesquisa-  serviço a comunidade.

Lecionava também em duas escolas estaduais, que pareciam um desafio para mim.

Eu dirigia automóvel na época, mobilidade não era problema. Foram os vários acidentes de carro , pequenas batidas na carroceria que  me levaram a refletir que algo estava errado (na época meu pai não aguentava mais levar o carro ao funileiro e meu seguro era só contra terceiros).

 A gota final , porém foi uma excursão que fiz às cavernas do PETAR; após uma caminhada não conseguia ficar em pé quando eu caminhava, caia, batia os joelhos nas rochas da caverna; definitivamente havia algo errado.

Na época pensei que eram os remédios da depressão que tomava; fui ao medico, ele pediu uma ressonância, exame caríssimo e realizado em poucos lugares, que graças a Deus, o convenio cobriu. Batata, o exame indicava lesões típicas de esclerose múltipla.

Aí o mundo girou e eu estava perdida. A enfermidade era uma que eu rezava  muito para não ter. Conhecia pessoas portadoras, e elas estavam muito debilitadas. Foi o pai de uma colega, medico,                                   que estava na cadeira de rodas e dependia de tudo. e um técnico de laboratório do Instituto Biociências da USP, que eu via caminhando todo trêmulo como um bêbado. Se havia uma coisa que não queria ter era isso.

Nem tanto pelo amolecimento das pernas, pela parestesia, ou pela visão dupla e sorriso torto; mas pela dependência que ela causava; a independência era algo muito caro para mim.

Quando fui levar o resultado da ressonância para o medico meu coração partiu. Tinha já olhado o resultado , o medico viu também e senti que ele ficou atônito, queria me dar colo e como eu gostaria de um alento nessa hora.

Minha família ficou preocupada, mas faltava fechar diagnostico: um neurologista, mais exames: potencial evocado e liquor. Diagnostico fechado, minha mãe aceitou, meu pai não, minhas irmãs aceitaram como puderam.

Procurei ajuda espiritual, um padre me falou da ABEM  disse que seria acolhida nesta instituição que daria muitas informações para mim. A ABEM tinha sede anda na rua Demostenes (vejam como sou velha), mas a principio não gostei de lá. Via pessoas com muitas dificuldades; eu não estava assim, porque já tinha realizado Pulsoterapia e meus sintomas desapareceram; tinha esclerose surto-remitente na época.

Tive uma frequência alta de surtos e na época  a pulso era realizada com internação.

Devido à frequência dos surtos, fui encaminhada para o Hospital das Clinicas, onde fiquei  em tratamento por 20 anos.  Experimentei, toda uma evolução  de remédios: beta-interferon, acetato de glatiramer, azatioprina, natalizumabe, fingolimode e finalmente o rituximabe que meu convênio não quer liberar porque se trata de uma droga OFF-LABEL para esclerose múltipla). Fora o solumedrol, ciclofosfamida, outros corticoides orais para os surtos.

Hoje participo de atividades na ABEM ( na nova sede, essa que todos conhecemos) aprendo cada dia a lidar com minhas dificuldades; peço conselhos aos profissionais, converso com outros portadores com diferentes estórias de vida  que me motivam a erguer e tentar sempre e cuidar da cabeça.

Minha família ajuda muito, em todas as dificuldades, sei de muitas famílias que não aceitam.

Múltiplas estórias de vida, múltiplas formas de agir; aprender é o segredo. Todo mundo tem algo a ensinar e aprender.

O corpo é “podre”, corruptível (pelos ensinamentos bíblicos), mas o pensamento não está engaiolado no corpo debilitado, ele é LIVRE e voa conforme o coração.

Meu projeto de vida mudou, mas ele é livre também para mudar.